Navegando

Refratômetro e pH-metro

Olá, navegante! Hoje é dia de falarmos de mais instrumentos oceanográficos. Para isso, relembraremos dois conceitos: salinidade e potencial hidrogeniônico (ou pH).

Você, interessado no mundo da oceanografia, muito provavelmente já tem uma ótima noção do que sejam essas duas coisas, não é mesmo? De qualquer modo, bora puxar da memória.

Em relação à salinidade, é importante não confundirmos sal com o sal de cozinha. O sal de cozinha é um mineral formado essencialmente por cloreto de sódio (NaCl). Esse composto químico faz parte do sal presente nos oceanos, mas não é o único. A verdade é que os oceanos têm praticamente todos os elementos químicos presentes na tabela periódica. Mas, então, como definir salinidade? Trata-se, de modo bem simples, da quantidade total de sólidos dissolvidos na água do mar. Convencionou-se que se pegarmos um quilograma de água do mar, secarmos a água a 480°C, oxidarmos toda a matéria orgânica presente e substituirmos todos os brometos e iodetos por quantidades equivalentes de cloreto, bem como convertermos todos os carbonatos em óxidos, então o que teremos é a salinidade.  Considerando-se essa definição de salinidade, a unidade empregada é a de ppm (partes por mil). Há, no entanto, uma definição de salinidade que estabelece uma relação entre salinidade e condutividade, numa Escala Prática de Salinidade, e, nesse caso, a salinidade é dada como uma razão e, portanto, torna-se adimensional.

Ok. Mas e qual a utilidade de sabermos qual a salinidade da água? Se você tem aquário, com certeza sabe que os organismos estão adaptados para condições específicas de salinidade, alguns suportam grandes variações de salinidade (organismos eurihalinos) e podem transitar, por exemplo,  nas diferentes porções de um estuário, onde a salinidade é muito baixa no alto estuário e vai tornando-se gradativamente maior conforme se avança para a região propriamente marinha. Há outros organismos que vivem em áreas específicas dos estuários ou somente em áreas marinhas e que não sobrevivem a grandes variações de salinidade (organismos estenohalinos). Mas além da importância da salinidade para a biota, esse fator, juntamente com a temperatura e a pressão, é que irá determinar a densidade da água. E a densidade da água está diretamente associada com a formação das massas de águas.

Existem aparelhos digitais excelentes para a medição da salinidade, mas falaremos de alguns deles em outro momento. Hoje, vou falar do refratômetro, um aparelho de mão, super simples, e que tem como princípio básico a refração da luz, daí seu nome. Sabemos que a luz refrata nos cristais, certo? Consequentemente refrata em cristais de sal. Logo, a salinidade será diretamente proporcional à refração da luz nos cristais de sal presentes na água. Quanto mais cristais, maior a refração da luz, portanto, maior a salinidade. A precisão de um refratômetro não é exatamente ideal, variando em torno de 0,2, mas permite uma estimativa muito bacana. E é um aparelhinho super fácil de usar: abrimos a tampinha, lavamos a janela com água destilada, secamos com um papel bem macio, colocamos a amostra de água sobre a janela, olhamos contra a luz para realizarmos a leitura e pronto. Para guardar o aparelho, repetimos a operação de lavar com água destilada e secar a janela. Fácil mesmo.

Refratômetro de salinidade. (Fonte da imagem aqui)

O potencial hidrogeniônico é outro fator extremamente importante para o estudo dos oceanos e de toda a água de nosso planeta.  O pH é um índice da acidez, da neutralidade e da alcalinidade do meio. Esse índice varia de 0 a 14. O pH neutro é o 7. Abaixo disso, temos um meio ácido, acima disso, um básico ou alcalino. O pH corresponde ao logaritmo negativo da concentração de íons hidrogênio (H+), de maneira que quanto mais desses íons, menor o valor do pH.

Você muito provavelmente já deve ter ouvido falar da acidificação dos oceanos que tem levado ao branqueamento e potencial morte dos corais. Essa acidificação corresponde justamente à diminuição do pH (lembrando que o meio ácido possui pH inferior a 7). Essa diminuição do pH está relacionada ao aumento de íons hidrogênio livres na água, o que se dá por conta do aumento da absorção de CO2 pelos oceanos. Quanto mais CO2 na atmosfera, maior essa absorção pelos oceanos e, consequentemente, devido a uma série de interações químicas, maiores as concentrações de H+, portanto, menor o pH.

Esquema explicativo dos processos químicos envolvidos na acidificação dos oceanos. (Para fonte da imagem, clique aqui)

Para medir o pH da água utiliza-se um pH-metro. Atualmente são usados basicamente as versões digitais cuja determinação de pH tem por base a determinação da força eletromotriz (FEM), a partir de uma célula eletroquímica e de dois eletrodos.

Com relação ao pH da água do mar, vale lembrar que a água do mar não é ácida. Seu pH varia entre 7,8 e 8,2. No entanto, seu pH encontra-se – em média – 0,1 abaixo do que costumava ser antes da era industrial. Portanto, quando se fala em acidificação dos oceanos, não podemos confundir e imaginar que os oceanos estão ácidos, na verdade, o pH está diminuindo sim, mas ainda encontra-se acima de 7. De modo que falar em acidificação é uma forma de tornar a compreensão do fenômeno mais simples, já que na escala de pH de fato o pH dos oceanos está tendendo para o extremo dos valores ácidos.

É isso, navegante.

Espero que tenha gostado.

Um grande abraço e excelentes navegações.

Rô.

Fonte: Estudos oceanográficos: do instrumental ao prático, organizado por Danilo Calazans (Ed. Textos, 2011)

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Dia do Químico

Olá, navegante! De onde você está lendo este post? Eu estou em São Paulo. O dia aqui está bem bonito. Sol, mas com temperatura amena. Gosto assim. E por aí?

Hoje vamos parabenizar um dos profissionais que muito contribuem para a oceanografia, o químico. Aliás, o dia 18 de junho foi escolhido para ser o Dia Nacional do Químico porque justamente nessa data, no ano de 1956, foi promulgada a Lei Mater dos Químicos (a lei mãe desses profissionais), a lei 2800/56. Essa lei regula o exercício da profissão de químico, além de ter criado os Conselhos Federal e Regionais de Química (você pode ler mais informações sobre essa lei aqui).

Mas, afinal, como a Química se relaciona com a Oceanografia?

Pense num oceano. Pensou? Provavelmente você pensou em água, muita água, certo? E deve ter pensado em água salgada, não pensou? Só esses dois elementos, água e sal, já serviriam para estabelecermos a conexão entre essas duas áreas. Se você tem lá suas preocupações com as emissões de CO₂ e a comumente chamada acidificação dos oceanos, pensou em mais um elemento da química intrinsecamente associado à oceanografia.

Vamos a esses três elementos.

Imagem encontrada aqui.

Pra começar, falemos do maravilhoso poder de dissolução da água, esse solvente magnífico. Esse seu poder é devido à própria constituição molecar da água. Você deve se lembrar, a molécula de água tem um átomo de oxigênio, carregado negativamente, e dois átomo de hidrogênio, carregados positivamente. Por conta disso, a molécula se torna polar, já que uma extremidade dela é negativa e a outra positiva. Agora, pensemos  no cloreto de sódio (NaCl). Esse cristal, formado por íons Na+ (cátions) e íons Cl (ânions), ao entrar em contato com moléculas de água, irá se dissolver, já que seus cátions serão atraídos pela parte negativa da molécula de água, enquanto que seus ânions serão atraídos pela sua parte positiva. O mais engraçado disso tudo é que, a rigor, o NaCl não existe enquanto sal na água, já que se encontra dissolvido, mas o sabor salgado do mar é a marca registrada dos nossos mares.

Quando você pensa em sal, muito provavelmente você pensa em sal de cozinha, o NaCl. E quando dizemos que o mar é salgado, cremos que o sal do mar é apenas cloreto de sódio. Contudo, quando o químico estuda a salinidade da água, o que ele está analisando é o total de sólidos inorgânicos dissolvidos na água, ou seja, a concentração de tudo quanto é íon inorgânico, não apenas de Na+e Cl, mas também de íons como sulfato (SO42-), magnésio (Mg2+), bicarbonato (HCO3), dentre outros. Se pesarmos um quilograma de água do mar, algo em torno de 35g será de sais dissolvidos, ou seja 35‰ (35 partes por mil, ou ppm). Atualmente, não se costuma colocar unidade em salinidade, dizemos apenas que a salinidade é de 35. Pra bom entendedor, meia palav….

Há dois gases que estão dissolvidos na água do mar e que são fundamentais para a vida nos oceanos. Exatamente, oxigênio (O₂) e gás carbônico (CO₂). Um dos perfis mais comumente estudados no curso de oceanografia é este que pode ser visto logo a seguir.

Este perfil foi retirado, aliás, de um livro que é ótimo pra se consultar durante o curso de oceanografia, o Fundamentos de Oceanografia, de Tom Garrison. Olha que coisa fofa. A linha verde indica quais as concentrações de oxigênio de acordo com a profundidade, enquanto que a linha vermelha ilustra as concentrações de gás carbônico. Como você pode ver, o oxigênio é abundante na superfície porque é ali, nos primeiros metros (na região fótica) que acontece a fotossíntese (realizada por organismos microscópicos). As concentrações de oxigênio vão diminuindo com a profundidade porque ele passa a ser consumido pela respiração animal e por atividade microbiana (durante os processos de decomposição de matéria orgânica, por exemplo). A seguir, as concentrações voltam a subir um pouquinho conforme as profundidades aumentam ainda mais. Isso acontece porque há menos animais, portanto, há menos respiração e menos consumo de oxigênio. Também pode ser explicado pelo aporte de oxigênio por águas profundas. Agora, quando olhamos o perfil do gás carbônico, a situação é bem diferente na superfície. Fácil explicar, né? Aqueles mesmos produtores de oxigênio consomem o CO₂ durante a fotossíntese. Abaixo da camada fótica, não há mais fotossíntese, logo, não há mais consumo de gás carbônico por produtores primários. Assim, o aumento desse gás abaixo da camada fótica se dá porque os animais produzem CO₂ na respiração e também porque com o aumento da profundidade há o aumento da solubilidade dos gases, devido ao aumento da pressão e diminuição da temperatura. Como adoro esse perfil!

Agora vamos à tal da questão da acidificação dos oceanos (que, na verdade, não é acidificação). O pH dos oceanos é de 7,8 em média, ou seja, os oceanos são levemente alcalinos (lembrando: o pH varia de 0 a 14, sendo 0 super ácido, 7 neutro e 14 super alcalino). E uma das propriedades dos oceanos é que eles funcionam como sumidouros de CO₂, ou seja, o gás carbônico da atmosfera, ao ter contato com a superfície do mar, acaba sendo aprisionado na água. Ao se dissolver na água, o CO₂ assume algumas formas, dentre as quais as de ácido carbônico (H2CO3), que por sua vez se quebra em íons H+, em bicarbonato (HCO3) e carbonato (CO32-), este último utilizado por organismos para a construção de suas conchas, por exemplo. Desse modo, quanto mais gás carbônico, a tendência é que a equação química se desloque no sentido de formação de ácido carbônico. Isso pode levar a uma diminuição da alcalinidade. De acordo com Tom Garrison, estima-se que, desde a revolução industrial, o pH sofreu uma diminuição de algo em torno de 0,1 (na escala logarítmica de pH). Portanto, ainda está bem longe de o pH médio do mar ficar abaixo de 7 para se tornar ácido. De qualquer modo, mesmo essas pequenas variações já estão causando estragos enormes. Oceanos menos alcalinos trazem dificuldades para organismos calcificadores, como mariscos, algumas algas e corais, por exemplo, que precisam de condições ideais de pH.

Além de todas essas questões, os químicos também se debruçam sobre o estudos dos nutrientes nos oceanos, bem como sobre a análise de poluentes, dentre várias outras coisas. A oceanografia realmente tem tudo a ver com a química.

Fico por aqui, navegante.

Um grande abraço e excelentes navegações.

 

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