Navegando

Garrafas e rosetas

Olá, navegante! Como tem passado? Espero que esteja bem e com saúde. Vivemos momentos complicados, não é mesmo? Torna-se mesmo difícil fazer uma pergunta tão simples como esta (como tem passado? como está? tudo bem?), já que, ultimamente, as respostas andam bastante complexas. De qualquer forma, espero que você esteja conseguindo manter certo equilíbrio e torço para que não tenha perdido a esperança de que as coisas vão melhorar. De minha parte, tenho enfrentado altos e baixos e, em diversos momentos, o que tem me salvado de me perder nos labirintos de sentimentos e pensamentos obscuros é a manutenção de uma dada rotina. Tenho um calendário de posts, tenho uma agenda de atividades que eu mesma organizei (atividades físicas, atividades de doutorado etc. etc.) e, volta e meia, quando bate aquele sentimento desesperançado, me apego às rotinas que criei para mim. Com o caminhar da execução de tarefas, acabo me sentindo um pouco melhor. Enfim, compartilho isso com você porque, talvez, você possa encontrar seu salva-vidas em estratégia semelhante.  Organize sua agenda, crie uma rotina e, quando as coisas parecerem nebulosas, mergulhe em suas atividades programadas, por mais banais que sejam: talvez uma série de abdominais diários, ou finalizar a leitura de uma certa quantidade de livros por mês, ou preparar uma receita nova cada semana. Fazia tempo que eu não valorizava tanto algumas pequenas atividades.

Sem mais divagação, conto-lhe um pouquinho do que foi a semana passada (afinal, deixei de publicar o post sobre um instrumento oceanógrafo, como previsto no calendário). Em fevereiro, o Centro Acadêmico Panthalassa do IOUSP abriu espaço para que professores e doutorandos pudessem oferecer cursos e minicursos aos alunos da graduação, durante o período de recesso. Eu hesitei, mas pensei cá comigo que seria uma oportunidade bem bacana montar a ementa de um curso, preparar as aulas, estudar e estudar. Tenho para mim que aprendemos demais quando ensinamos. E, pois bem, foi o que fiz. Organizei um minicurso intitulado Da geoquímica à circulação oceânica: uma breve visita às bacias marginais do Atlântico Sudoeste e me aventurei na empreitada. As aulas aconteceram no fim de semana passado (nos dias 27 e 28 de março), mas as semanas que antecederam foram intensas no que diz respeito à preparação das aulas, por isso acabei deixando de postar aqui, como previsto, sobre garrafas e rosetas – o que estou fazendo agora. Felizmente, o minicurso foi bem bacana (até cheguei a postar fotinhos aqui e aqui) e, ao menos de minha parte, fiquei bem contente com o resultado, apesar de achar – como de costume – que poderia ter sido melhor.

Hoje, então, tenho acumulados dois posts: um sobre instrumentos oceanográficos, mais especificamente garrafas e rosetas, e outro sobre uma personalidade envolvida com a Década dos Oceanos.

Garrafas e Rosetas

Dentre os primeiros instrumentos oceanográficos que iremos manipular durante a graduação, durante nossa vida de oceanógrafos, está a garrafa. Isso mesmo, a garrafa. Não aquela emblemática garrafa dos náufragos, carregando em seu interior a mensagem que atravessa os mares e os tempos, mas uma garrafa desenhada para atingir as mais variadas profundidades na coluna de água, permitindo coleta de dados, tais como a coleta da água propriamente, bem como a coleta da temperatura in situ.

A mais famosa garrafa de coleta é a garrafa de Nansen, desenvolvida em 1910 e que, como diz seu nome, foi criada por Fridtjof Nansen que, além de cientista, foi responsável por criar o passaporte Nansen, documento de identificação para refugiados da Primeira Guerra Mundial, o que lhe valeu o Nobel da Paz, em 1922.  

A garrafa de Nansen possui aberturas nas duas extremidades e desce aberta – presa por um cabo apenas em uma das extremidades – para que possa ser fechada apenas na profundidade desejada, ou seja, para que se colete a água da profundidade pretendida – caso desça fechada, dependendo da profundidade, a pressão da coluna de água pode, simplesmente, destruir a garrafa. Quando atinge a profundidade desejada, um peso de latão, comumente chamado de mensageiro, desce pelo cabo, disparando um sistema de molas que inverte a garrafa e, ao mesmo tempo, dispara o fechamento das válvulas, retendo, assim, a água daquela profundidade. É possível instalar mais de uma garrafa por cabo, cada qual com um mensageiro em sua base. Quando um mensageiro dispara a primeira garrafa, na inversão outro mensageiro é disparado e, assim, sucessivamente, até que todas as garrafas presas ao cabo sejam fechadas. Cada garrafa de Nansen pode amostrar entre 1,4 e 1,6L, o que é um limitante, já que a água coletada em cada estação oceanográfica serve a diversos propósitos, diversas análises que podem ir da análise química, como a de oxigênio dissolvido, até a análise biológica para a determinação de clorofila, por exemplo.

Imagem encontrada aqui.

No fim dos anos 1960, Shale Niskin desenvolveu uma garrafa que acabou com esse problema do volume, a conhecida garrafa de Niskin, que pode coletar entre 1,6 e 30L de água. Uma baita diferença! Essa garrafa fica presa pelas duas extremidades do cabo, não havendo inversão, portanto. Da mesma forma que a garrafa de Nansen, a garrafa de Niskin desce aberta e seu fechamento também se dá pelo envio de um mensageiro, cujo impacto aciona o fechamento das válvulas.

Comumente, um termômetro de inversão é acoplado às garrafas, de maneira a se obter a temperatura das profundidades almejadas.

As garrafas de Niskin, as mais modernas, podem ser acopladas a um sistema automático para a coleta de água, sistema esse desenvolvido pela General Oceanics Inc. e chamado de Rosette, ou Roseta. Nesse sistema, o fechamento das válvulas pode ser programado por computador (nesse caso, uma unidade de fechamento deve ser acoplada ao CTD que desce junto com as garrafas), ou pode ser feito de forma direta através de comando a bordo do navio, desde que haja um cabo condutor conectado à roseta.

Rosette com 24 garrafas de Niskin. Imagem encontrada aqui.

Espero que tenha gostado das informações.

Fico por aqui.

Um grande abraço e excelentes navegações.

Rô.

Referência:

MOLLER Jr., O.; ABE, M.P. “Capítulo 5: Oceanografia física” In Estudos Oceanográficos: do instrumental ao prático. Pelotas: Ed. Textos, 2011.

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