Leituras

O mar que nos cerca

Título: O mar que nos cerca
Título original: The sea around us
Autora: Rachel Carson
Tradução de Antonio Salatino (professor titular do Instituto de Biociências da USP)
Editora Gaia
Ano da publicação: 2010 (copyright de 1950, 1951, 1961)

O último livro de que falei aqui no blog também foi um livro de Carson. Publicado em 1962, o Primavera silenciosa traz uma pesquisadora, escritora e ambientalista profundamente combatente, sendo a leitura extremamente árdua, como cheguei a comentar. Apesar da distância temporal e do fato de que produtos como o DDT – denunciado por Carson por conta de seu caráter extremamente nocivo à vida – não serem mais utilizados hoje, a leitura é difícil por conta do show de horrores e de ignorância descrito. É preciso ter estômago, especialmente quando vemos a história e os erros se repetirem.

O Mar que nos cerca é de caráter distinto. Este livro nos traz uma narrativa de encantamento, de maravilhas e descobertas. Como é delicioso “ouvir” Rachel Carson desenrolar diante de nossos olhos atentos as belezas e mistérios dessa vastidão azul, ainda tão incompreendida! Foi por este livro que Carson recebeu o National Book Award, tendo sido eleita para a Academia de Artes e Letras dos Estados Unidos e, durante a leitura, entendemos o porquê. A escolha de palavras é precisa e Rachel Carson soube dosar beleza narrativa com informação científica. No prefácio à edição de 1961, a autora está ciente dos avançados científicos alcançados na década que se seguiu à primeira edição deste livro, diz: “tratava-se de uma tela enorme, em que o artista indicava o esquema geral de uma magnífica pintura, na qual, contudo, grandes áreas vazias aguardavam o toque esclarecedor de seu pincel.” (p.8) E que artista ela  própria foi!

Essa feliz conciliação entre arte e ciência já dá as caras no próprio prefácio: “Em vez de um amplo e constante fluxo de água, como o de um rio, sabe-se agora que a corrente do Golfo consiste em estreitas e velozes línguas de águas tépidas que volteiam em espirais e redemoinhos.”(p.10) O texto flui com tamanha beleza que é quase inevitável repeti-lo em voz alta, apenas para nos deliciarmos com as palavras ecoando em nossa própria boca. Ao mesmo tempo, as informações estão todas lá. De fato as correntes marinhas se apresentam como corpos de água distintos a fluírem no meio oceânico; de fato as águas do Golfo são tépidas, sendo justamente essa a razão de a região costeira da Europa apresentar invernos mais amenos do que áreas de mesma latitude na América; e realmente não se trata de um fluxo exatamente linear, mas marcado por vórtices, tais como foram verificados na nossa tão próxima corrente do Brasil. Uma delícia de texto.

O livro se organiza em três partes: I. O mar progenitor, II. O mar inquieto e III. O homem e o mar que o cerca. A primeira parte é dividida em oito seções que perpassam as histórias de formação dos oceanos e da Lua, com maravilhosas descrições dos recônditos abissais, da vida encontrada nas trevas de extrema pressão e frio, percorrendo as superfícies e regiões fóticas, a rica biodiversidade do micro e do macro e o nascimento de ilhas. Alguns dados apresentados requerem atualização (algumas feitas pela própria autora, outras pelo tradutor, todas em notas de rodapé) – a teoria de nascimento da Lua que é apresentada, por exemplo, é a de que nos primórdios da Terra as marés eram de um material sólido e viscoso, marés essas propiciadas pela força de atração do Sol. As marés teriam sido gigantescas a tal ponto que uma porção dessa massa teria se desprendido da Terra, dando origem à Lua. Atualmente, a teoria mais largamente aceita é a de que a Lua foi resultado de uma colisão entre a Terra e um corpo celeste de dimensões semelhantes às de Marte. Mas como ouvi meu marido dizer em uma reunião de trabalho dia desses (o que a pandemia não tem feito, não é mesmo?), dados desatualizados também têm seu valor, a partir do momento em que aprendemos a compreender o que trouxeram e de que modo foram modificados; a compreensão do processo requer um aprimoramento do olhar.

Ao contar-nos a narrativa do surgimento da vida a partir do mar e de como muitos organismos encontraram seu caminho de volta – como é o caso das baleias, que teriam surgido nos mares, se tornado terrestres para, então, voltar ao mar -, Carson nos faz refletir sobre o nosso próprio retorno, um retorno “mental e imaginativo” (p.40), e nos traz maravilhosas narrativas de desbravadores do desconhecido. Entre os encantamentos de seu texto, vamos revisitando histórias, conceitos, aprendendo sempre – nesta primeira parte do livro, por exemplo, descobri que, caso toda a pressão existente nos oceanos, por conta do peso da coluna de água, fosse milagrosamente relaxada, “o nível do mar se elevaria aproximadamente 28 metros em todo o mundo” (p.70). E achamos graça quando descobrimos que Magalhães, querendo conhecer qual a profundidade do oceano, atirou um fio convencional, quando navegava pelo Pacífico, um fio que não possuía mais do 365 metros e, vendo que o fio não tocara o fundo, “Magalhães declarou que estava sobre a parte mais profunda do oceano” (p.77)

A segunda parte do livro, O mar inquieto, trata das forças que colocam os oceanos em movimento e dos efeitos dessas forças. Carson discute a importância dos ventos, da formação das ondas – aliás, descobrimos que quem primeiro mediu a força de uma onda oceânica foi Thomas Stevenson, pai do escritor Robert Louis Stevenson (quem nunca leu A Ilha do tesouro?)-, a influência da rotação, os movimentos de marés, a relevância da topografia de fundo, os movimentos das águas associados às diferenças de densidade. Nesta parte, Rachel Carson nos oferece, dentre tantas preciosidades, uma explicação simples e clara sobre o porquê de a Lua estar se afastando da Terra e o porquê de, muito provavelmente, o nosso dia hoje ser vários segundos mais longo do que nos tempos da Babilônia: “(…) com o passar de milhares de anos, a Lua retrocedeu, por influência do atrito das marés que ela própria cria. O próprio movimento da água sobre o leito do oceano, sobre a crosta rasa dos continentes e sobre os mares internos carrega em seu âmago o poder que está lentamente destruindo as marés, porque o atrito por estas provocado vai gradualmente diminuindo a velocidade de rotação da Terra. (…) De acordo com as leis da mecânica, com o retardo da rotação da Terra, há uma aceleração da translação da Lua, com o que a força centrífuga a leva para mais longe“. (pp.168-169)

A terceira parte do livro é talvez aquela que Carson optasse por complementar ou reescrever, imbuída certamente de enorme indignação. Em O homem e o mar que o cerca Carson aborda a importância dos oceanos para a regulação das temperaturas e clima da Terra, e fala muito também sobre todas as riquezas que os oceanos teriam a nos oferecer, desde suas riquezas minerais até à biodiversidade e recursos pesqueiros. Jeffrey S. Levinton nos alerta no posfácio para o fato de que, na época, o aquecimento global e os problemas associados à pesca predatória não eram temas em pauta. Estou certa de que Carson levantaria dados e pesquisas e brilhantemente nos escreveria um capítulo acerca do peso de nossa pegada neste planeta. Mas quis o destino que ela partisse antes de tais temas virem à tona e o alarme soasse.

Esta foi uma das melhores leituras que realizei este ano (e tenho conseguido ler bastante – cumprindo minha promessa de início de ano de ler quatro livros por mês). Recomendo, sem pestanejar, não apenas para os amantes da oceanografia (para estes a leitura desta obra é um dever), mas para todos aqueles que apreciam uma boa narrativa recheada de informações consistentes.

Um grande abraço e excelentes navegações.

Rô.

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Primavera silenciosa

Título: Primavera silenciosa
Autora: Rachel Carson
Tradução de Claudia Sant’Anna Martins
Editora Gaia
Ano da publicação: 2012 (copyright de 1962)

Algumas leituras são mais árduas que outras. Muitas vezes, em face de textos mal escritos, figuras de linguagem obsoletas ou ineficazes, falta de coesão ou mesmo de coerência, sentimos que mais valeria fechar o livro e esquecê-lo (infelizmente, diante de tais livros, impulsionada por uma mania ou compulsão, não consigo largá-los, mesmo que eu siga e termine a leitura em meio a imprecações).

Primavera silenciosa definitivamente não é um desses livros. Carson escrevia maravilhosamente bem. Seu livro de 1951, O mar que nos cerca, chegou mesmo a receber o National Book Award, tendo sido a autora eleita para a Academia de Artes e Letras dos Estados Unidos.

Ainda assim trata-se de leitura árdua. A História parece repetir-se, o ser humano parece não reconhecer os erros cometidos, parece ter dificuldades imensas de aprender com o passado. A cada capítulo deste livro de Carson, uma enxurrada de histórias de horror pontuadas por padrão similar: ignorância, falta de pesquisas científicas, implementação de projetos de pulverização que visam a “erradicar” uma determinada “praga” e que acabam por destruir a vida de muitas espécies (fauna e flora) e, em boa parte dos casos, intensificando a infestação da suposta praga, levando, não à conscientização da ineficácia do projeto, mas à sua reincidência, acarretando, em diversas situações, o desenvolvimento de pragas resistentes.

Carson apresenta muitos dados e estabelece possíveis conexões entre os produtos químicos utilizados (em especial o DDT e variações) e problemas do sistema nervoso, casos de infertilidade e câncer (doença de que morreu, aliás). Se compadece das inúmeras e inocentes vítimas, de insetos a pássaros, de peixes a mamíferos.

Chega a ser estarrecedora a falta de compreensão acerca das interações entre as diferentes componentes de um ecossistema. Em 1954, pulverizações foram realizadas numa região de floresta próxima ao rio Miramichi, no Canadá, com o intuito de acabar com o inseto tortricídeo, suposta praga que ataca coníferas. O que o governo canadense não considerou é que as pulverizações com DDT acabariam não apenas com esse inseto, mas com muitos outros e tantos outros organismos. Naquele ano, o rio Miramichi, conhecido por receber desovas e por abrigar os jovens salmões, não veria praticamente nenhum salmão sobreviver. Eles simplesmente não tiveram do que se alimentar (não havia insetos suficientes).

Nossa época corre o risco de viver outras primaveras silenciosas. De acordo com o Socientifica, cerca de meio bilhão de abelhas foram mortas no sul do Brasil. Grande parte delas apresentava traços de fipronil (inseticida que, ainda de acordo com o Socientifica, está banido na União Europeia e considerado potencialmente cancerígeno pela APA, Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos). Sempre me entristece quando encontro uma abelha morta no quintal de casa. E, infelizmente, isso vem acontecendo quase que diariamente. Evidentemente não posso afirmar que haja uma relação entre essas mortes. Mas que temo pela quantidade absurda de agrotóxicos aplicados na agricultura, temo.

Esta obra de Carson deveria ser lida por todos. Obra de cunho ambientalista, levanta reflexões que dizem respeito a todos nós, pois que todos vivemos no mesmo planeta e disso não há como escapar. Se as águas se contaminam, se são criadas zonas mortas nos oceanos – vide a zona morta gigantesca associada à foz do rio Mississipi, receptor de todo um sistema antrópico, de urbanização a excesso de fertilizantes aplicados na agricultura-, se as primaveras se silenciam, todos, sem exceção, perderemos.

Finalizo com um parágrafo de Primavera silenciosa que se ajusta espantosamente bem ao nosso momento:

“Em cada uma dessas situações, é preciso refletir sobre: quem tomou a decisão que pôs em movimento essas cadeias de envenenamentos, essa onda cada vez mais ampla de morte que se alastra, como os círculos que se formam quando uma pedra é jogada nas águas plácidas de um lago? Quem colocou em um prato da balança as folhas que poderiam ter sido comidas pelos besouros e no outro os melancólicos montes de penas de muitas tonalidades, os restos sem vida das aves que pereceram sob a clava não seletiva dos venenos de inseticida? Quem decidiu – quem tem o direito de decidir – pelas incontáveis legiões de pessoas que não foram consultadas que o valor supremo é um mundo sem insetos, mesmo que este seja também estéril, sem o encanto da asa encurvada de um pássaro a voar? A decisão é do ditador que foi temporariamente investido desse poder”. (p.116)

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Sete anos em sete mares

Título: Sete anos em sete mares
Autora: Barbara Veiga
Editora Seoman
Ano da publicação: 2019

Conheci este livro quase que ao mesmo tempo em que conheci sua autora, durante uma palestra do The Ocean Day 2020 (falei desse evento aqui). Jornalista, fotógrafa, ambientalista, ativista, impressionou-me seu currículo; fiquei me perguntando sobre o que exatamente move esta mulher. Já esteve em mais de 80 países, já foi presa no Caribe, durante atuação junto ao Greenpeace, já encarou piratas, quando viajava no Papaya com seu marido (à época), já presenciou e registrou embates com navios baleeiros, em trabalhos com a Sea Sheperd, esteve por instantes completamente só no topo de um iceberg, trabalhou sob disfarce, encarou mais desafios do que eu imaginaria ser possível enfrentar numa única vida. Me entreguei à leitura como quem tem diante de si um mapa, querendo entender o que move pessoas assim.

O livro se estrutura como uma espécie de diário, ainda que não traga indicações das datas. Temos, em subcapítulos, a identificação das localizações que, a partir de meados do capítulo 4, passam a ser acompanhadas de coordenadas geográficas (latitude e longitude, duas informações que, aliás, todo oceanógrafo precisa anotar antes de qualquer coleta de dados; nunca se esqueça disso). Os capítulos são sete, como se poderia supor pelo título.

Há muito a ser contado, porque viveu-se muito – e nem sempre há páginas o suficiente para se contar todas as histórias que gostaríamos de conhecer. Isso talvez justifique o ritmo um pouco atribulado dos primeiros três capítulos, anos de muito aprendizado e amadurecimento. O ritmo da escrita flui melhor a partir do momento em que Barbara embarca no Papaya, para viajar com seu parceiro. Acredito que a introspecção exigida por uma viagem desse tipo, em que apenas duas pessoas precisam trocar turnos, tomar conta dos instrumentos de navegação, manter o olhar atento, talvez essa introspecção tenha contribuído para dar mais corpo à narrativa.

De qualquer modo, a voz é honesta. Há uma força nesta mulher que admiro e tento compreender de onde vem. Se o livro fosse uma conversa, sem dúvida alguma eu a teria interrompido um sem número de vezes para que ela se alongasse um pouco mais num detalhe ou outro. Isso não sendo possível, ficava imaginando que descobriria o suporte de uma família de ativistas, mas não. Imaginei também que pudesse estar fugindo de algo, da vida, dos outros. Mas aparentemente não.

O livro tenta nos fornecer algumas pistas: uma menininha imaginando viajar o mundo, criando postais fictícios; uma adolescente matriculada em dois colégios (porque os pais lhe queriam ocupar o tempo); uma jovem reunindo amigos para realizar limpeza de praias; uma jornalista engajada com o Greenpeace, que se voluntaria para embarcar numa missão que tem por destino a Amazônia e que, depois de muitas experiências, se junta à Sea Sheperd em ativas caçadas a baleeiros japoneses.

Continuo perguntando-me o que exatamente a move. Barbara declara repetidas vezes em seu livro seu amor pela natureza, sua necessidade de ser parte da solução. A questão, porém, talvez não deva ser essa, mas sim entender o que não a impede de mover-se. Não parece haver espaço para o medo paralisante. O medo sim há e deve haver – “não há coragem sem medo”. Mas não há o medo que impede a ação. E isso é algo que admiro demais. E é por isso que imagino como seria bom poder ouvi-la contar mais e mais suas histórias.

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A Terra é azul

Título:  A Terra é azul: por que o destino dos oceanos e o nosso é um só?
Autora: Sylvia A. Earle
Tradução: Bruno Mattos
Editora SESI-SP
Ano da publicação: 2017

Vivemos um período conturbado e triste, e não me refiro à questão do isolamento social imposto pela COVID-19. Não. Refiro-me às ações ignorantes e, penso, de má fé perpetradas pela figura do atual presidente da república. Se atentarmos apenas para as questões que, de alguma forma, se relacionam com o meio ambiente, já temos o suficiente para derramarmos lágrimas e lamentarmos, mais uma vez, a péssima escolha resultante de ignorância e ódio. Destacam-se em seu show de horrores a transferência do Serviço Florestal Brasileiro do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Agricultura (é isso mesmo o que você leu; não tem o menor cabimento!); a contestação dos dados oficiais do Inpe, bem como a demissão do diretor do instituto (mais um passo retrógrado contra a ciência); a interrupção do Fundo Amazônia (as queimas criminosas falam por si); a proposta de regularização fundiária via autodeclaração (cumé? é isso mesmo, apoio a grilheiros); as propostas para redução de terras indígenas;… Eu poderia continuar, mas já deu pra entender o cenário. Se você quiser ler um pouco mais sobre as atrocidades desse governo no que diz respeito ao meio ambiente, acesse AQUI.

Tudo isso acontecendo em 2020. Ao invés de avançarmos nas questões de proteção e recuperação dos ambientes e biodiversidade de nosso planeta, retrocedemos ao som de aplausos e paneladas imbuídos de ignorância, complacência e ódio.

A leitura de A Terra é azul não é fácil. Não me refiro à escrita. O texto é claro, organizado, didático até. Aparte alguns deslizes, que, penso, são provenientes da tradução, como o uso dos plurais de plâncton e fitoplâncton, não há grandes coisas no texto que desviem nossa atenção ou que tornem o texto menos legítimo e poderoso. O difícil é digerir o desfile de horrores descrito por Sylvia A. Earle. Ao elencar algumas das ameaças que circundam nossa gaia, mais particularmente os oceanos, suportes da vida, controladores do clima, fornecedores de boa parte do oxigênio que respiramos, Earle não poupa imagens. É doído demais ler a descrição da tortura impingida a tubarões por pescadores ignorantes e pela ganância do mercado. Os dados são alarmantes, 90% dos peixes já se foram, a extração indiscriminada de grandes mamíferos, peixes, crustáceos, moluscos, não apenas contribuem para a diminuição de uma biodiversidade que mal conhecemos (menos de 5% dos oceanos são conhecidos!), como isso também altera o ciclo de CO2 (é importante lembrar que boa parte do armazenamento desse gás estufa se dá no reservatório oceânico, inclusive na forma de biomassa, ou seja, armazenado nos próprios organismos), a química geral dos oceanos e, consequentemente, a vida no planeta tal como a conhecemos.

Este livro é um alerta amargo. De quantos mais necessitaremos para acordar? Entendo que, muitas vezes, é possível que não acreditemos que sejamos capazes, enquanto indivíduos, de fazer alguma coisa a respeito. Mas isso é um engano. Não apenas temos o controle sobre o que escolhemos colocar no prato (só pra dar uma ideia: para cada quilo de camarão pescado, podem ser capturados 10 quilos ou mais de “bycatch”, isto é, de outros organismos que não são o alvo da pesca e que acabam descartados, mortos, atirados ao mar), mas podemos também decidir quem vamos eleger para representar o país e tomar a frente nas grandes decisões ambientais. Neste momento, no Brasil, a escolha foi a pior possível, matando um pouquinho da esperança de que conseguiremos reverter o trágico quadro ambiental que já dá as caras, de forma contundente.

Mas ainda há esperança. Ainda podemos fazer as escolhas certas. Lembre-se disso, sempre.

Vale muito a pena assistir ao Ted Talk com Sylvia Earle, palestra proferida em 2009. A transcrição dessa palestra encontra-se no anexo de A Terra é azul.

Grande abraço e excelentes navegações.

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Cousteau: uma biografia

Título:  Cousteau: uma biografia
Autor: Axel Madsen
Tradução: Vera Whately
Editora Campus
Ano da publicação: 1989

 

Levou-me a essa leitura meu encantamento com a pessoa e o trabalho de Cousteau. Ainda adolescente assistia maravilhada aos vídeos em VHS em que se descortinavam os mundos submarinos desbravados por Cosuteau e outros aquanautas, vestindo roupas de mergulho cinzas, com o aqualung preso às costas, fornecendo-lhes o oxigênio de que necessitavam para se aventurar por aquelas paisagens mais surpreendentes e ricas e misteriosas do que a própria paisagem lunar. Não seria exagero algum dizer que minha decisão de cursar oceanografia tenha sido em grande parte influenciada por essa figura esguia, de nariz adunco e olhar atento.

A leitura dessa biografia, contudo, não chega a ser tão atraente, em particular a primeira parte, cujo texto se torna cansativo e demasiadamente detalhado em informações concernentes à Segunda Guerra Mundial. Pareceu-me que Axel Madsen tentou ilustrar a complexidade da guerra para situar a dificuldade que muitos podem ter tido para compreendê-la devidamente ao viverem os eventos que levaram à guerra. Pareceu-me que o autor, com isso, tenta talvez não justificar mas amenizar o fato de o irmão de Jacques ter sido um jornalista colaboracionista nazista.

Apesar do tom geral desta biografia ser elogioso e positivo, desfez-me para mim a figura idealizada de Cousteau. Pude vê-lo homem conflituoso no trato com os filhos, homem pouco politizado, o que muitas vezes pode tê-lo feito parecer incoerente.

Interessante o percurso cinematográfico de JYC, Jacques-Yves Cousteau. Apesar de eu ter conhecimento da produção de suas séries televisas, não havia me atentado para a força e presença dessa sua vertente. Interessante também acompanhar sua mudança de foco durante o trajeto de sua vida: de futurista (chegou a descrever um futuro não muito distante em que os homens viveriam em casas submarinas em que desenvolveriam plantações e pastos alternativos) a ecologista.

A leitura certamente vale pela segunda parte do livro que se concentra no desenvolvimento dos trabalhos de Cousteau, especialmente a partir da criação do aqualung. O livro também vale pelas referências bibliográficas e filmográficas que são realmente muitas. Se tiver curiosidade de conhecer sua produção filmográfica, dê um pulinho AQUI para assistir ao Le Monde du Silence.

 

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O velho e o mar (Ernest Hemingway)

Título:  O velho e o mar
Autor: Ernest Hemingway
Tradução: Fernando de Castro Ferro
Editora Folha de S. Paulo
Ano da publicação: 2003

 

Há muito vinha procrastinando a leitura de O velho e o mar. A última vez que me recomendaram essa leitura foi em 2015, quando entrei no curso de oceanografia, recomendação do escritor Hugo Almeida. Naquela época (não tão distante assim), pensei que tinha coisas mais importantes pra ler, textos mais “oceanográficos”, mais científicos, e fui deixando pra depois, e deixando pra depois e depois e depois. Nas últimas férias, sentindo uma necessidade vital de ter contato com literatura, e boa literatura, sobrecarregada de textos puramente técnicos, comecei a vasculhar as vastas prateleiras aqui de casa (e posso dizer vastas, são quase 3000 títulos que temos aqui – o que só aumenta a vergonha da procrastinação) em busca de uma leitura que pudesse revigorar minha alma.

Coincidentemente, nestas férias tomei para mim uma frase, mote para uma resolução de ano novo: “There is nothing noble in being superior to your fellow man; true nobility is being superior to your former self“, atribuída a Ernest Hemingway. Foi então que pensei que era hora de remediar a absurda situação de nunca ter lido Hemingway e atirar-me nesse livro que rendeu ao autor o Prêmio Nobel em 1954.

 

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(Ilustração: edição de Bertrand Brasil

com ilustrações de C.F. Tunnicliffe e Raymond Shepard)

E então eu o li. Terminada a leitura a vontade foi de sorrir, chorar e aplaudir. Um livro sobre um velho pescador. Um livro sobre a imensidão, a fúria e a magnificência do mar. Um livro sobre a vida, a velhice, a solidão. Um livro sobre a dureza da vida de um pescador, com suas mãos endurecidas cortadas pela linha, com seu pescoço endurecido pelo sol e pelo tempo e pelo sal. Um livro sobre o indivíduo e seus pensamentos. Um livro sobre vencer e ser vencido ao mesmo tempo.

Pouco mais de noventa páginas que narram, essencialmente, uma saída de pesca e a luta de um velho pescador para conseguir capturar e carregar o seu peixe, um peixe maior do que seu próprio pequeno barco. Descrições enxutas e certeiras. O muito dito com quase nada. Vocabulário acertado, nomes de espécies de peixes, referências a marés e correntes, tudo muito apropriado.

Ocorreu-me que a vida que correu pelas veias de Hemingway era demasiada, tamanha a força de sua narrativa. Atraiu-me, certamente, esse paradoxo de vida e morte, de vencer e ser vencido, um espelho do que viveu e morreu Hemingway.

Mas você não matou o peixe apenas para conservar-se vivo e o vender como alimento”, pensou ele. “Matou-o por orgulho e porque é um pescador. Amava o peixe quando estava vivo, afinal ainda o ama morto. Se o ama, com certeza que não foi pecado matá-lo. Ou será ainda pior?” (p. 79)

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O mistério quântico

Título:  O mistério quântico – Uma expedição às fronteiras da física
Autores: Andrés Cassinello e José Luis Sánchez Gómez
Tradução: Sandra Martha Dolinsky
Editora Crítica
Ano da publicação: 2017

 

Olá, navegante. Você pode me perguntar: e aí, depois das suas várias (ou algumas…) leituras sobre quântica, já dá pra dizer que entende do assunto? Não. Ainda não entendo nada de mecânica quântica. Mas quem entende, não é mesmo? De qualquer forma, não custa tentar entender pelo menos alguns pontos essenciais ou uma determinada linha de pesquisa. Evidentemente, como de costume, quando apareço com essas leituras por aqui, você poderia fazer outra pergunta: mas, afinal, o que esse tema tem a ver com oceanografia? Bom, eu já disse e repito: oceanografia é uma ciência da natureza e, como tal, demanda um certo tipo de raciocínio que, eu sinceramente acredito, é o mesmo (ou próximo) daquele demandado por ciências como física quântica (a física, é certo, tem tudo a ver com oceanografia; basta dar uma olhada na grade do curso oferecido pelo IO pra ter certeza). Então, é claro que continuarei postando minhas impressões das leituras que faço desse tema que me encanta, tanto quanto me encanta o mar.

Com este livro foi assim: eu estava acompanhando meu marido na Livraria Cultura. Digo acompanhando porque era ele quem tinha um livro em mente. Eu só estava zanzando pelos corredores, digamos que como de costume. Claro que quando digo zanzando quero dizer olhando as novidades de biológicas, exatas, às vezes línguas e viagens…sim, tenho meus temas favoritos. E eis que vejo esse livro. Capinha fofa, azul alegre, nome bacana (tsc, tsc…julgando um livro pela capa). Falou em quântica, mexeu com meu coração. Enquanto espero o marido encontrar o que buscava, começo a ler a introdução. Leio: “Temos que esclarecer desde o início algo importante: ninguém entende a mecânica quântica” (p.10) Leio e adoro. Fala-se em mistério radical, fala-se em alterar o objeto com o olhar. Gosto dessas sentenças poéticas. E quando dou por mim, estou terminando a introdução e já na fila do caixa. Pois é. Cheguei ali e quase que desconheço o meu percurso…já entrando no clima da quântica.

Empolgada que estava, me joguei na leitura. Fato é que depois do primeiro capítulo comecei a me perder. Percebi que estava passando as linhas sem entender as palavras, frases e períodos. Coisa triste. Fechei o livro, depois de mais de mês de tentativas de leitura, e aborreci-me comigo mesma. Como era possível?!

Semana passada, levei o livro comigo para a viagem de campo da disciplina condensada Práticas de aquicultura. Recomecei a leitura no ônibus, no caminho de ida. Era uma segunda-feira. Na quinta-feira, mesmo com todas as atividades propostas pela disciplina, eu já havia terminado a leitura do livro. Acordava mais cedo pra conseguir ler mais um pouquinho, tão fisgada que estava. E como que dessa vez não me perdi, não me enrolei? Levei um lápis, aquele famoso amarelinho, número 2. Eu lia um parágrafo, confirmava de mim para mim minha compreensão. Se havia algo de que queria me lembrar ou algo pra continuar a pesquisa depois, lá ia eu com o lápis. Sei que há pessoas que abominam esse tipo de coisa, mas eu adoro interagir com o livro-objeto. Pra mim, faz parte da leitura conversar com o livro materialmente, por meio de sublinhados, nuvenzinhas e anotações de margem.

O tema básico do livro é a sobreposição. Para isso é preciso falar um pouco sobre a função de onda, pra que se possa entender como que um fóton que passa por um cristal de calcita pode ter polarização tanto horizontal, quanto vertical, ao mesmo tempo. Uma partícula atuando como onda. E mais, só podemos saber qual a polarização do fóton, depois da medida. Nunca antes. Se determinarmos o estado do fóton antes, a medida não será a mesma, ou seja, o olhar altera o objeto. Essa, digamos, propriedade (talvez seja incorreto dizer isso) foi utilizada para o desenvolvimento da criptografia e das chaves públicas RSA.

Uma das coisas bacanas desse livro é que os autores tentam mostrar, ainda que não aprofundando demais, os experimentos que foram feitos, os raciocínios matemáticos por detrás das afirmações teóricas. A meu ver, uma vantagem desse livro com relação a outros que tratam do tema.

É um livro ao qual pretendo retornar. Recomendo.

Um grande abraço e ótimas navegações.

Rô.

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A realidade não é o que parece

Título:  A realidade não é o que parece
Autor: Carlo Rovelli
Tradução: Silvana Cobucci Leite
Editora Objetiva
Ano da publicação: 2017

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Não sei você, navegante, mas às vezes, ao olhar ao redor, me pego imaginando coisas doidas: a vida como uma ilusão, uma linha nada contínua de sequências pontuais de fatos e dados e imagens e estados. Uma cena do dia seria talvez uma sequência de imagens congeladas de instantes muito breves, os quais seríamos incapazes de vislumbrar como descontinuidades. Já me detive na frente do espelho tentando encontrar uma imagem mais antiga de mim ou uma ainda não vivida pelo meu eu do presente, esse que vos fala e que talvez exista perpetuamente enquanto sequência limitada de imagens congeladas, ao mesmo tempo em que outros eus também existiriam da mesma forma.

Também já considerei a possibilidade de tudo, absolutamente tudo, compor uma única coisa composta de pequenas partículas que, unidas aqui e ali, conformam estruturas que reconhecemos como coisas distintas e separadas, mas que seriam, em essência, todas o mesmo pó, originadas da mesma singularidade ocorrida há 14 bilhões de anos.

Pois é. Aí, por conta de um curso de poesia contemporânea que fiz semestre passado, ministrado por um professor que tive na faculdade de Letras, José Miguel Wisnik, cujas aulas e canções sempre me encantaram, acabei deparando-me com este A realidade não é o que parece. Então, aquele sentimento de pertencimento se deu. Minhas doideiras não eram tão doideiras assim.

O fato é que não escreverei aqui resenha alguma. Registro apenas meu encontro com este livro. Um encontro aconchegante. O estranho mundo que sempre me rodeou se fez um pouco menos estranho, sem perder a magia. Isso é o que me encanta na mecânica quântica, a realidade sendo cientificamente descrita sem perder a poesia.

E aproveito para lembrar a você, amigo navegante, que este blog é um espaço que espero poder compartilhar de fato. Traga suas leituras para cá também. Elas só precisam conversar, ainda que de leve, com o mundo da oceanografia.

Um grande abraço e ótimas navegações.

Rô.

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50 ideias de matemática que você precisa conhecer

Título: 50 ideias de matemática que você precisa conhecer
Autor: Tony Crilly
Tradução: Helena Londres
Editora Planeta
Ano da publicação: 2017

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Início das férias. A cabeça a mil por conta do final de semestre letivo, com suas provas e relatórios e datas e cobranças e notas. Esse seria o momento de relaxar. Mas o cérebro já não sabe como (?). Talvez seja esse movimento contínuo, incessante e ruidoso que me tenha feito escolher minha primeira leitura de férias. Ou talvez não. Há um prazer velado na redescoberta de coisas há muito sabidas e esquecidas. Há um prazer honesto na compreensão de minúcias que, não dificilmente, serão novamente olvidadas, armazenadas numa gaveta da memória que apenas talvez volte a ser aberta.

Tenho enorme apreço por livros que almejam levar ao grande público um pouco mais do conhecimento tantas vezes associado à academia ou a estudiosos de determinadas áreas. Minha mãe várias vezes já me disse ter sofrido demais na escola por não entender determinados conceitos abstratos de matemática, por exemplo, vendo-se sempre diante de professores que não esperavam da pequena Beatriz nada além de decorebas e aceitações, sem questionamentos. Assim que vejo com bons olhos tentativas como essa de Tony Crilly de colocar em linguagem acessível pequeninos mistérios, pequenas chaves para a compreensão do abstrato. O zero, por exemplo. Há milhares de anos tratado como símbolo, passou a ser tratado como número de fato no século VII pelo matemático indiano Brahmagupta. E o que significa passar de símbolo a número? Quais as implicações dessa mera mudança de categoria? Parece algo simples, não é? É gostoso pensar sobre isso, ler sobre isso. Passa-se do pensar o “nada” e reconhecer o “nada” para o conseguir contá-lo.

A diferenciação e a integração do cálculo também são apresentadas. O cálculo da mudança, da variação, e o cálculo da área. E, então, o Teorema Fundamental do Cálculo colocado da forma mais simples com que já me deparei: “A diferenciação é o inverso da integração, uma observação conhecida como o Teorema Fundamental do Cálculo, e um dos teoremas mais importantes de toda a matemática” (p.81). Vou dizer uma coisa pra você, navegante, em meu primeiro semestre de cálculo na faculdade não foram poucas as lágrimas que derramei por achar que não estava entendendo esse teorema e, lendo-o neste livro, ri do drama de não tão outrora assim.

Quadrados mágicos também são discutidos neste livro. E logo me veio à mente um quadrado mágico com que me deparei no curso de Letras e com o qual mantive contato mais próximo durante o mestrado. Não um quadrado numérico, evidentemente, mas mágico também:

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(Imagem encontrada aqui.)

 

“Sator arepo tenet opera rotas” é um palíndromo latino, encontrado num muro de Pompeia. Pode ser lido em diversas direções (faça o teste) e pode ser traduzido, talvez, como o “lavrador mantém cuidadosamente a charrua nos eixos” ou algo do tipo. Bom, esse quadrado não está no livro, mas assim funcionam os textos, não é? Um fio puxa o outro e a gente vai seguindo e aprendendo sempre.

50 ideias de matemática que você precisa conhecer. Vale a pena.

 

Um grande abraço e ótimas navegações.

Rô.

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Leituras

Impactos fisiológicos de poluentes químicos em animais marinhos

Título: “Physiological impacts of chemical pollutants in marine animals” (capítulo 5 de Stressors in the marine environment )
Autor/Texto: C. Lewis & E.M. Santos
Editora: Oxford University Press (Editado por Solan & Whiteley)
Ano da publicação: 2016
Páginas: 73 a 75.

 

Bom dia, navegante!

Apresento a seguir uma resenha que escrevi para a disciplina Ciclos Biogeoquímicos II, do curso de Oceanografia. Espero que desperte seu interesse.

 

Victor Hugo, escritor romântico francês do século XIX, teria dito que “c’est une triste chose de penser que la nature parle et que le genre humain n’écoute pas“.  O papel da ciência reside fortemente aí, em escutar a natureza que nos fala. Essa escuta, contudo, não se faz somente por meio da poesia, mas se beneficia de forma profícua do empirismo, da experimentação científica. Ouvir a natureza, para a ciência, significa buscar compreender quais as interações que se estabelecem entre o ser humano, o meio que nos cerca e toda a biodiversidade  do planeta, de modo a mitigar possíveis impactos negativos causados pela ação antrópica.

O ambiente marinho é componente fundamental de todo o ecossistema global: transportes de calor e nutrientes, por exemplo, provêm alimento para toda uma teia trófica em que podemos incluir o homem.  Ainda que o texto de Lewis e Santos (2016) não se proponha a desenvolver essa questão mais abrangente, no capítulo 5 de Stressors in the marine environment discutem-se quais seriam os fatores de estresse e os impactos fisiológicos por eles gerados em organismos marinhos.

Dentre esses fatores, podem ser mencionados o ruído, as alterações de temperatura, pH, salinidade, radiação, gases dissolvidos (como é o caso tão em evidência do CO2). Para os autores, um fator de estresse chave para esse ambiente é a presença de contaminantes químicos, assim como a alteração da concentração de substâncias já existentes.

Além de esses contaminantes químicos raramente ocorrerem de forma isolada no meio, há evidências de que o aumento da temperatura global e a acidificação dos oceanos amplificam sua toxicidade. Conhecer, portanto, quais esses contaminantes e como podem ser agrupados (de acordo com suas propriedades químicas e respostas biológicas) é essencial para a elaboração de modelos que permitam a previsão de seus efeitos adversos.

Variadas são as formas de absorção de contaminantes químicos pelos organismos (desde a absorção via sistema digestivo até a difusão pelas membranas de células lipofílicas). As respostas biológicas a essa absorção podem induzir processos de metabolização e desintoxicação, o que leva à excreção de compostos químicos tóxicos. Durante esses processos, contudo, podem ser gerados metabólitos tóxicos mais prejudiciais do que os compostos originais. A presença em excesso de contaminantes químicos, então, ocasiona uma sobrecarga que pode levar a uma perda ou diminuição da capacidade metabólica de excretar compostos químicos tóxicos.

Portanto, torna-se imprescindível documentar a presença desses fatores químicos geradores de estresse, reconhecendo, inclusive, que o crescimento da população humana, bem como o crescente uso de terras (mais especificamente de áreas costeiras) leva, evidentemente, a um aumento da poluição química.

Os autores destacam no capítulo 5, Physiological impacts of chemical pollutants in marine animals, as causas e consequências do estresse oxidativo. Esse tipo de estresse é gerado por um desequilíbrio entre os chamados ROS (Reactive Oxygen Species) e a capacidade de resposta dos organismos a essas espécies químicas, o que acontece quando as taxas de produção desses ROS excedem as taxas de sua decomposição pelas defesas antioxidantes dos organismos. Entre as consequências mais significativas do estresse oxidativo estão os danos, por oxidação, causados a moléculas lipídicas e a moléculas de DNA.

Destacam-se dentre os mais bem estudados antioxidantes celulares algumas enzimas, tais como a superóxido dismutase (SOD), a catalase e a glutationa peroxidase. Os produtos da atividade dessas enzimas são medidos como marcadores biológicos (biomarkers) do estresse oxidativo. Na presença de estresse ambiental, seja por exposição ao calor ou a UV, ou ainda por exposição à poluição, a produção de espécies de oxigênio oxidativas pode aumentar demasiadamente, sobrecarregando o organismo.

Ciclos redox, ionização, radiação ultravioleta ou contaminantes químicos podem levar à produção de oxigênio singlete (1O2), radical superóxido (O2•-), peróxido de hidrogênio (H2O2) e radical hidroxil (OH), as quatro principais formas de ROS.

Em organismos aquáticos, uma das consequências mais significativas do estresse oxidativo é o dano causado a moléculas de lipídios, o que leva a uma reação em cadeia, a ponto de ocorrer destruição de membranas lipídicas, podendo inviabilizar toda a célula.

Algumas das técnicas que permitem avaliar o estresse oxidativo consistem em medir os níveis de transcrição ou atividades das enzimas antioxidantes ou mesmo os produtos dos danos oxidativos. Desse modo, é possível estabelecer uma relação entre medidas de estresse oxidativo e níveis de poluição. Compreender essa relação permite avaliar a influência humana e seus impactos negativos sobre o ambiente e a biota, permitindo – isso é o que se espera dos estudos científicos – encontrar formas de minimizar ou mesmo erradicar essas impactos.

É isso.

Um grande abraço e ótimas navegações.

Rô.

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