Diário de Bordo

Incongruência

Eu outra vez, navegante.

Não sei se você chegou até aqui por conta de seu interesse em oceanografia, mas se for esse o caso, gostaria de saber quais suas expectativas com relação ao curso e à profissão. Você já se imaginou capturando animais marinhos (para não dizer matando-os)?

Apesar de eu ser uma vegetariana de araque (como peixe uma vez ou outra), não me via matando animais. Não mato nem as lesmas, formigas e caramujos invasores do meu jardim, o que dirá de peixes, moluscos, águas-vivas? Se você, assim como eu, tem o coração mole, prepara-se.

Essa semana fomos, os alunos do curso do primeiro ano de oceanografia, levados à base do IO, em Ubatuba, para a realização de algumas práticas, muito importantes para nosso aprendizado, essenciais para nossa formação. Dentre essas atividades, tivemos que pescar.

Utilizando uma rede de arrasto de fundo com portas, realizamos um esforço de dez minutos, que só não me levaram aos prantos porque me segurei para não causar apreensão.

(Foto encontrada aqui.)

Dentre os animais que pescamos, havia peixes variados (peixe-sabão, linguado, carapeba, dentre outros), águas-vivas, estrelas (com nove pontas), vários moluscos, pequenas lulas, siris…

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(Resultado da nossa pesca.)

Ao separar os peixes, muitos ainda prendendo-se à vida, e colocá-los num saco para que fossem levados ao laboratório, senti o coração apertado como nunca. E o questionamento inevitável: até que ponto é válido tirar a vida desses animais?

Obviamente entendo que seja necessário realizar esse estudo; é importante que visualizemos o impacto que pode ter uma rede industrial que passa horas e horas fazendo arrasto; veja, nossa rede é relativamente pequena, e trabalhou por apenas dez minutos.

Além disso, precisamos aprender a identificar as espécies, a reconhecer seus órgãos e funcionamento, a identificar modificações causadas por parasitas, doenças, poluição.

Mas… o coração dói, navegante, me fazendo mesmo questionar até onde conseguirei chegar nesse curso.

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(Linguado.)

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(Lula.)

É importante dizer que os animais mortos servirão de alimento a alguns peixes de cativeiro, mantidos na base. De qualquer modo, não foi fácil encarar os animais morrendo pelas minhas mãos.

Por isso, deixo este post como um pedido de desculpas. E também como uma forma de agradecimento.

Rô.

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7 comentários em “Incongruência”

  1. Que dó Rô….esperamos que o sacrifício seja realmente útil…mas são vidas…quem sabe um dia encontrem outros meios de realizarem pesquisas de uma outra forma…bj!

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  2. Huhuhuhu!!! Oi, Rose!!!
    Finalmente vim comentar sua página que, por sinal, ta massa!! Achei que ia conseguir esperar até segunda, mas vai saber se vou na aula! Hehehehe, zoeira!
    Fiquei aliviado de ver que não fui o unico incomodado com a nossa rede!!! Ao mesmo tempo que queria ver os bichos, tava torcendo para que viesse vazia! E aquela agonia dos intermináveis dez minutos, credeuspai! Acho até que a gente poderia ter proposto uma alternativa na reunião final! Sei lá, ao invés e quatro arrastos, fazer só dois em duas embarcações….
    De qualquer forma, não acho que tenha que pedir desculpas não! Esse peso não é responsabilidade nossa e, pode até parecer clichê, mas eu acho que a gente precisa sim desse choque! Eu, pelo menos, fico mais motivado e gosto mesmo de pensar nas possibilidades de mudança! Não que todo mundo vá virar vegetariano (hohohoho), mas com esse arrasto eu fiquei ainda mais interessado pela aquicultura!
    E mesmo te conhecendo pouco, tenho certeza que você também vai utilizar essa incongruência para produzir algo positivo, como esse texto!
    Quase que viro cult com esse comentário, hein? Hahahahha!
    E ah!! Rachei com o texto de química analítica, muito bom!!!

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    1. Obrigada pelo comentário, “Crazy” (Hahahaha).
      Imagino que vários de nós ficaram se sentindo com o coração apertado… Era de se esperar, suponho.
      Você tem razão. Essa experiência deve servir como motivação para a produção de mudanças. A aquicultura pode ser sim uma saída. Uma área a ser explorada, com certeza.
      Volte com mais frequência! 🙂
      Abração.

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  3. Oi Rô,
    Ainda não sei lidar com essa incongruência. Confesso que, apesar de amar Zoologia, desisti da ideia de seguir essa área de pesquisa quando fiquei sabendo que fazer captura de animais (causando sua consequente morte) é prática necessária tanto para realizar o curso quanto para fazer pesquisas pós-formação. Também desisti da Genética (que é outra área pela qual me interesso) por causa dos testes em cobaias. Quando eu finalmente conseguir estudar Biologia, sei que vou me deparar com o mesmo dilema com que você se deparou nessa aula de campo.
    Muitas vezes, pergunto-me se isso é mesmo necessário. Afinal, já temos tantos dados disponíveis em vídeos, fotografias, relatos etc.; será que não seria o caso de simplesmente analisarmos o que já foi feito e seguir a partir daí?
    Por exemplo, na época dos naturalistas do século XIX, tudo era novo, conhecia-se muito pouco; era de se esperar que eles ficassem doidos com tanta diversidade e capturassem o máximo de animais para estudo posterior; mas, naquela época, isso era realmente necessário, pois o conhecimento ainda estava se formando. Entretanto, hoje, temos acesso a um banco enorme de dados sobre inúmeras espécies. Por que os alunos de Biológicas devem, citando um exemplo que conheço, capturar e compilar coleções de insetos cujas informações podem ser acessadas de outra forma?
    É uma questão complicada e ainda pouco resolvida. Quando estamos num ambiente científico, é muito difícil arriscar-se a ser visto como “emotivo”, preocupando-se com a vida dos animais. Admiro e fico grata pela sua coragem de expressar isso.

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    1. Oi, Rose!

      Um dos argumentos, acho que o mais importante, a favor dessa prática é o fato de a análise dos organismos coletados servir como base de dados acerca das condições correntes do ambiente marinho em questão. Isto é, verificar, por exemplo, se os peixes estão atingindo o tamanho esperado tanto para juvenis quanto para adultos, identificar possíveis enfermidades que estejam atacando a comunidade marinha, dentre outras coisas, são ainda dados que se obtêm a partir da pesca.
      Talvez a realização de menos arrastos (como propôs o Renato Crazy num comentário por aqui) por viagem de campo seja uma ideia a se seguir.
      É isso.
      🙂
      Obrigada pela visita.

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